terça-feira, 19 de abril de 2011

Ainda pensando na produção coletiva: da ideia a operação dos grupos

Tenho visto e lido bastante coisa nos últimos tempos sobre a ideia de grupos. O que me atrai nessa discussão é a possibilidade de pensarmos e experimentarmos uma infinidade de modos de nos relacionarmos, podendo analisar com cuidado como esses modos são modelados em cada situação, os resultados que são produzidos e o quanto cada um nos impacta de formas diferentes, em momentos diferentes.

Trabalho de uma vida a pesquisa e a vivência de tantos caminhos que se abrem. Mas, as experiências que facilitam a conversa, que permitem explicitar mais as coisas, que se propõem a se revisitarem continuamente me interessam ainda mais. A questão de fundo é: conseguimos gerar maneiras interessantes de nos relacionarmos como um grupo, de produzirmos coletivamente, de sermos eficientes segundo nossos próprios parâmetros e darmos conta de que esse processo não seja apenas uma utopia de um final de semana?

A ideia de grupos, de comunidades, de redes não tem nada de novo. Temos revisitado isso nas últimas décadas de várias formas diferentes, seja passando pelas experiências dos psicodélicos, seja passando pelas "novas" formas de massificação pelo consumo da ideia de rede.

Existem características similares nas experiências mais interessantes, considerando por interessante o próprio fato das pessoas se sentirem mais felizes, mais empoderadas e mais autônomas ao se relacionarem em grupo?

Depois de caminhar por várias abordagens diferentes, considerando o pessoal da aprendizagem organizacional, psicologia social, emergência, biologia cultural, cultura digital, software livre, movimento hacker, metareciclagem e por aí.... Um elemento me sobressai: quase todos eles mencionam um momento em que as pessoas que atuam como um grupo constroem algum tipo de referencial comum, algum tipo de base de pensamento, algum tipo de objetivo compartilhado que permite que o grupo entenda e se relacione de alguma forma a partir desse elemento que facilita e promove contexto para sua união.


Sem dúvida, esse "esquema de refencial comum" que une o grupo é tão móvel, mutante quanto o próprio grupo. As pessoas mudam, têm compreensões diferentes, atualizam conceitos na mesma velocidade em que atualizam a sua dinâmica corporal e assim o movimento coletivo vão sendo moldado e vai moldando a dimensão onde opera a relação entre as pessoas. 

Muitas experiências não se dão conta disso e esquecem que um dos trabalhos mais fundamentais para o bem-estar do grupo é a contínua atualização desse referencial. Falar dele, ampliar discussões, checar compreensões, explicitar divergências, dúvidas, discordâncias é atuar diretamente nesse invisível que se torna o esquema, mas que mesmo invisível é presente diariamente em nossas conversas, nossos pressupostos e interfere diretamente em nossa capacidade de produzirmos algo em conjunto.

Logo, me parece necessário e fundamental refletir e investir nessa construção e atualização contínua no desenvolvimento de nossos projetos, sejam eles quais forem, desde uma "simples" relação de colaboração entre duas pessoas a uma unidade de governo em nível federal. 

Mas, como fazer isso? Não acredito numa resposta única, nem mesmo numa solução que não parta da integração de muitas formas de operar que busquem revelar e dar visibilidade a diferentes aspectos de um processo coletivo. É um problema complexo, logo, exige uma abordagem complementar, onde conceitos de diferentes áreas, de diferentes práticas possam se encontrar. 

De tudo o que já experimentei em relação a isso, fiz uma pequena síntese daquilo que estou chamando por aqui de dispositivos de produção coletiva ou dispositivos de ativação de redes:

- criação de alguma forma de um Comitê Gestor deliberativo
 Diz da produção de alguma espaço que sirva como um conselho, um comitê, uma roda de decisão onde as questões mais complexas possam ser colocadas, debatidas e encaminhadas.

- realização contínua de reuniões, encontros e seminários
 A organização sistemática de conversas, encontros e seminários onde as pessoas possam trabalhar juntas, rever conceitos e encaminhamento anteriores, tendo oportunidades reais de modificarem os rumos de um processo de trabalho me parece que oxigena e aproveita melhor a inteligência coletiva de um grupo.

- organização dos processos por Grupos de Trabalho
Mas, como subdividir as pessoas, dado que há grupos que podem ser compostos por muita gente? A construção de grupos de trabalho que deveriam surgir de uma demanda de organização de trabalho do próprio grupo e não de um gestor tentando impor sua forma de divisão do trabalho. Grupos de trabalho podem se tornar mais focados em assuntos que são de maior interesse das pessoas que ali se encontram, sabendo que ainda existe um espaço mais geral onde possuem garantidas suas possibilidades de minimamente opinarem no todo.

- construção e documentação coletiva da política de sustentação do grupo
É importante que esse grupo possa produzir periodicamente alguns documentos orientadores que possam servir como um marco referencial de seu estágio de articulação coletiva. Essa documentação pode servir como uma maneira de explicitar a política de regulação do grupo e uma forma mais fácil de introduzir novas pessoas na dinâmica de relação que ali está sendo proposta.

- utilização de tecnologias de conversação presenciais
Nos reunirmos em grupo nem sempre é o mais difícil, mas aproveitar bem nosso tempo com dinâmicas de conversa que possam respeitar o tempo de todos e garantir espaços de participação é um desafio contínuo a nossas tecnologias de conversação. Experiências como Open Space, World Café, Aquário, entre outras técnicas facilitam muito processos de interação dependendo do contexto em que as pessoas se encontram.

- utilização de tecnologias de conversação digitais
Sem dúvida, a web e as infinitas possibilidades de interação que temos no campo digital são elementos que podem facilitar de muitas formas a construção de um grupo. O ponto-chave aqui não está necessariamente no domínio da tecnologia, mas em compreender quais são os recursos em potenciais que temos a nossa disposição e quais são aqueles que podem ser mais úteis em um dado contexto. Não é uma resposta fácil de se chegar, nem tampouco simples de operar. Nos deixamos facilmente seduzir pelas novas tecnologias, novas versões, novas funcionalidades e esquecemos do fundamental: o que queremos é apenas que pessoas conversem com pessoas e possam ter mais elementos para melhor poderem operar em conjunto.

- ativação de comunidades/subgrupos que surjam do refinamento das relações
Para além dos grupos de trabalho, dentro de um grupo podemos nos identificar com mais clareza com determinadas pessoas que executam coisas/processos/áreas/saberes muito semelhantes aos que nós executamos. Dar condições para que essas pessoas se reunam, discutam seus modos de fazer, compartilhem práticas, saberes e dificuldades é uma forma de facilitar a própria circulação do grupo. Comunidades podem surgir, podem se organizar, ganhar espaço, articular necessidades, mudarem rumos e necessidades das práticas, reorientando caminhos.

- construção contínua de analisadores: resultados e métricas de processo
Uma das coisas que tenho pesquisa e experimentado com bastante intensidade nos últimos 2 anos são os analisadores e meios de dar visibilidade ao que está sendo feito, produzido e construído pelo próprio grupo. A ideia aqui é o oposto do controle, mas é criar caminhos para que as pessoas possam se ver e analisar os padrões que elas mesmos têm construído em relação a sua própria produção.

É um leque vasto de opções, de possibilidades. Minha ideia por aqui é começar a detalhar as experiências que tenho tido mais o bando de malucos que topam conversar e experimentar essas coisas juntos. E segue o trem, que as pistas são boas.

domingo, 10 de abril de 2011

Produção coletiva: empoderando a rede através da apropriação de tecnologia

Há várias formas de se pensar no desenvolvimento de um projeto e na forma que pretendemos desenvolver um processo produtivo, seja lá do que for.

Há escolhas que buscam preservar o rigor do conhecimento técnico, a padronização e, para isso, criam instâncias de especialistas que determinam procedimentos, normas, padrões e formas de como um projeto deve ser desenvolvido.



Há outras escolhas que buscam potencializar a produção coletiva, criando e garantindo que espaços de diálogo possam estar sempre abertos para discutir as normas, os procedimentos e as soluções que terão impacto direto na vida do conjunto de pessoas que se relacionam no âmbito de um projeto.



Não acredito que sejam necessariamente dois processos que se oponham. Acredito que o bom desenvolvimento técnico de um projeto se dê quando conseguimos garantir estabilidade, escalabilidade e um processo de apropriação coletiva dos meios e modos de construir a produção.

Sem dúvida, há riscos. Mas, os riscos são bem menos técnicos e muito mais de acreditar e apostar num meio de relação onde a conversa se faz necessária, fundamental e meio pelo qual a técnica se expressa e auxilia a produzir sentido.

Sem dúvida, há riscos. Mas, os ganhos de visão que obtemos quando compartilhamos nossas escolhas, quando escolhemos juntos criam um campo em potencial que impacta muitas outras coisas para além daquilo que podemos visualizar no desenvolvimento de um projeto. Criamos redes ao sentarmos juntos e nos propormos a fazer o mesmo trabalho, a enfrentar as mesmas dificuldades e, juntos, pararmos e refletirmos sobre quais são as nosssa reais possibilidades mediante as nossas reais restrições.

Enxergamos o que enxergamos quando vamos juntos. Esse é o grande ponto a ser pensado em qualquer processo, sobretudo aqueles que lidam diretamente com produção imaterial, com a criatividade e que afetam a forma que as pessoas se expressam, a maneira como entendem e enxergam o mundo.

A experiência que temos tido e fomentado ao longo do projeto Telecentros.BR é exatamente essa. Mais do que focar numa excelência técnica da formação, estamos buscando empoderar e criar meios de relação para a emergência da Rede de Formação do programa.



A rede só surge quando se apropria de seus processos, quando sente que seu poder de voz é real, não intermediado, que suas decisões têm efeitos práticos, imediatos. A rede só surge quando as pessoas se dão conta que sua voz muda os rumos, define processos e que ela reverbera em pessoas que de fato têm interesse, tempo e vontade de escutar. A rede é inteligente para perceber quando esse processo não é real. Os links se organizam, se recriam e se rearticulam em torno daquilo que os motiva: exercer sua própria autonomia.

Para isso, criar encontros, eventos, seminários e reuniões presenciais são fundamentais. Não só para apresentar resultados, mas para definir a política de nosso meio. Nesses espaços, temos a oportunidade de nos colocarmos numa posição semelhante, descentralizando identidades anteriores e percebendo que nossas opiniões podem afetar a de outros e construir o novo.

Mais do que construindo uma formação, estamos nos construindo como grupo, como relação e como príncipio de produção coletiva. É outro efeito que se obtém, é outro campo que se abre e é outro projeto que se desdobra.