segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Telecentros.BR: documentando o processo de ativação da rede

Desde julho deste ano, estou dedicado a maior parte do meu tempo ao projeto da Rede de Formação do programa Telecentros.BR. Processo interessante na origem de sua forma, onde algumas boas premissas foram tomadas para facilitar a construção um ambiente mais participativo e emergente.

A idéia por trás do projeto pode ser explicada nas seguintes linhas gerais:

  1. realizar um edital público, chamando a participação entidades que quisessem se candidatar a serem polos regionais da rede de formação;
  2. cada polo regional tem a atribuição de articular, aplicar e apoiar o desenvolvimento de um programa de formação para os bolsistas dos telecentros;
  3. um polo nacional seria o articulador desses polos regionais, facilitando o processo de conversação e produção entre eles;
  4. a formação rodaria em nível nacional, em grupos de 30 participantes divididos dentro de suas regiões (sul, sudeste, centro-oeste, norte e nordeste);
  5. a ideia básica da formação seria garantir um espaço de apoio e articulação em rede dos bolsistas, de modo a facilitar as ações de apropriação do espaço dos telecentros pelos bolsistas, usuários e a comunidade em geral;
  6. participam do projeto aproximadamente 18.000 monitores e 11.000 telecentros.
 Tudo muito bonito, tudo muito interessante. Mas, como fazer isso? Como articular polos regionais, polo nacional, ministérios e os mais diversos atores envolvidos num processo dessa escala?

 Desafio dos bons e estimulador do pensamento emergente da ativação de redes. Campo mais do que interessante para experimentação de processos de conversação desde a construção da formação até o momento em que ela sirva de plataforma para a formação da rede dos monitores dos telecentros. 

 Que processo temos desenhado e usado para isso?

 O primeiro passo que nos colocamos, sendo nossa equipe o Polo Nacional, foi de não criar regulações, normas, padrões e especificações de conteúdos que os Polos Regionais deveriam implementar em suas ações. Muito mais do que isso, nosso papel nessa rede tem sido facilitar o processo de produção coletiva de um programa de formação entre todos os polos, criando espaços de conversação, de encontro, de debate, de disputa onde a diversidade de visões vire potência e força nas ações do projeto.  Fácil de falar e descrever, mas extremamente complexo de implementar. 

 Escolhemos e temos sustentado um caminho que passa pelos seguintes princípios:
  1. criar espaços de encontro periódicos entre todos os polos, que funcionam como o conselho gestor da rede de formação. Nada é decidido fora desse ambiente, nenhuma especificação ou aprovação ocorre fora do ambiente do conselho;
  2. ativar uma lista de email de trabalho entre os polos, com contínuo acompanhamento e intervenção de nossa parte, produzindo sínteses, dando ideias, organizando discussões e puxando processos;
  3. utilizar um ambiente Drupal para produções mais complexas, como textos, documentos de apoio e síntese de encontros e seminários presenciais;
  4. criar uma ecologia Web que dê conta de contextualizar que a formação ocorre em todo e qualquer espaço da rede, sendo a ferramenta "oficial" de ensino à distância (no caso, o Moodle), apenas mais um ambiente de transição;
  5. buscar explicitar sempre uma visão do todo do projeto e, na sequência, mostrar subdivisões possíveis do trabalho, de forma a facilitar o foco das equipes;
  6. distribuir tarefas e atribuições de responsabilidade por adesão, não utilizando um sistema hierárquico de imposição de visões. Responsabilidade e cronograma compartilhados tendem a gerar um nível muito maior de implicação por parte das equipes atuantes, criando espaços para cada um desenvolver suas ideias tendo tranquilidade que há uma visão de gestão que permite a integração de todos os trabalhos.
 Entendo que seguir esses princípios facilitam a construção efetiva de um projeto que represente a visão coletiva dos polos envolvidos. Não resolve o problema da ponta, mas resolve uma etapa na ativação das redes sociais que vão estar envolvidas com o Telecentros.BR. É um sistema que vai se organizando e sendo organizado em camadas, criando sustentabilidade de relações sociais que possam dar conta de bancar espaços efetivos de emergência e apropriação da tecnologia dos telecentros por parte dos monitores e usuários.

Quais espaços de encontros periódicos temos feito até então?

   Realizamos 3 seminários presenciais de julho para cá, mais 1 encontro com monitores e gestores na 9ª Oficina de Inclusão Digital. Os seminários tem servido como espaço de alinhamento de nossas visões, de identificação de nossos objetivos comuns, de identificação de diferenças, de disputa de sentidos e atribuição de responsabilidades entre os polos. Normalmente, tem durado 4 dias de trabalho, ocorrendo em Brasília. Segue aqui um relato dos seminários:
Como tem funcionado nossa ecologia organizacional da Rede de Formação?

Criamos a seguinte ecologia para retratar os fluxos de conversação e tomada de decisão da Rede de Formação.


A rede começa a ser ativada, da perspectiva da formação, pelos Polos e Ministério, que se organizam em torno de um Conselho. Cada Polo Regional tem um comitê, que reúne todas as iniciativas proponentes de telecentros em sua região. Esse comitê tem o papel de analisar, sugerir e avaliar o processo de formação em sua região. Na ponta disso, os telecentros se encontrando e sendo encontrados através dos múltiplos espaços de interação em rede, seja via o Moodle, seja via listas, seja via encontros presenciais. O objetivo final dessa ecologia é facilitar a formação de rede entre os Telecentros, mapeando temas de interesse, favorecendo o encontro por adesão.

Como tem funcionado a lista de email?

A lista de email dos Polos regionais tem sido um espaço de referência para a conversação entre os participantes desse momento de implementação do projeto. Ambiente de articulação, alinhamento e troca de visões, tem funcionado como um espaço que amplia a sensação de comum. A lista tem facilitado organização de cronogramas, divisão de tarefas, acompanhamento da execução de várias etapas do projeto e uma maneira de manter a todos continuamente informados do que vem ocorrendo.
Segue aqui uma imagem de estrutura de relacionamentos que vem ocorrendo na lista nos primeiros 3 meses do projeto (uma média de 300 mensagens/mês):



Como tem funcionado o Livro Colaborativo do Drupal na produção dos conteúdos?

O Drupal tem funcionado como nosso ambiente de registro de processos dos encontros presenciais e da construção de conteúdos/dinâmicas da formação de forma coletiva. O uso do livro colaborativo tem um efeito bastante interessante na possibilidade de vários participantes do livro criarem revisões do texto, ou seja, uma página pode ser revisada por diferentes usuários do ambiente, criando diferentes versões que podem ser registradas pelo ambiente. 
Disponibilizamos o livro colaborativo como o ambiente para a produção dos conteúdos e atividades que vão fazer parte dessa primeira etapa da formação. A partir das ideias coletadas nos seminários presenciais, capítulos foram gerados conforme os principais temas sugeridos. 
Tivemos 85 sugestões de adaptações e revisões de texto feitas nas últimas semanas. 

Veja abaixo como tem sido a colaboração nos temas feita pelos polos da rede de formação:




Como funciona nossa ecologia Web?

A ideia de criar uma ecologia Web da Rede de Formação é facilitar a compreensão de que a formação ocorre na rede como um todo, seja no Orkut, no Facebook, nos blogs, no Moodle ou onde quer que haja relações e conversações. 
A integração dos vários ambientes dessa ecologia facilita a circulação da informação em rede, ampliando o potencial dos fluxos de comunicação entre todos os envolvidos. 

Segue aqui a ecologia que montamos para o programa:



Como tem funcionado o cronograma compartilhado do projeto?

O trabalho colaborativo tem uma série de vantagens em termos de qualidade e inteligência daquilo que está sendo produzido. No entanto, a coordenação de um trabalho dessa forma, sendo feita também de maneira coletiva, é um dos grandes desafios dos tempos que vivemos. 
A escolha que temos feito é sempre trabalhar acordos de forma presencial, seja nos seminários, seja nas reuniões mensais do conselho da rede de formação. 

Atualmente, estamos trabalhando a partir do seguinte cronograma.

Relato aqui um resumo de 3 meses de projeto. Sem dúvida muita água ainda tem de rolar, mas os sinais do que temos produzido parecem promissores. 


sábado, 2 de outubro de 2010

Algumas anotações sobre uma possível Teoria de Campo Social

21 proposições de uma Teoria do Campo Social

1. Os sistemas sociais são “colocados em prática” ou “encenados” pelos seus membros em um contexto. (As demais proposições resultam destas)

2. O ponto cego das ciências sociais, dos sistemas sociais e da teoria de campo hoje em dia diz respeito às fontes nas quais os sistemas sociais têm origem.

3. Há quatro fontes de atenção na qual pode emergir a ação social:
a. Eu em mim;
b. Eu no objeto;
c. Eu em você;
d. Eu no agora.

4. As quatro fontes e estruturas de atenção dão origem a quatro diferentes fluxos ou campos de emergência. “Vejo dessa maneira, portanto, ele emerge daquela maneira”;

5. Os quatro campos de encenação da realidade social aplicam-se a todas as esferas de criação da realidade social:
a. Burocracias de máquinas centralizadas;
b. Estruturas divisionais descentralizadas;
c. Estruturas organizacionais em rede;
d. Estruturas de ecossistemas de inovação.

6. Os pontos de inflexão movendo-se de um campo para outro são idênticos em todos os níveis. Esses pontos constituem uma gramática social:
a. Abertura e suspensão (mente aberta);
b. Mergulho profundo e redirecionamento (coração aberto);
c. Deixe ir e deixe vir (vontade aberta).

7. Quanto maior a hipercomplexidade de um sistema, mais crítica é a capacidade para operar a partir dos campos mais profundos da emergência social;

8. A inovação profunda que trata os três tipos de complexidade exige um processo que integre três movimentos: abrir-se para contextos que importam (cossentir), conectar-se à fonte de quietude (copresencing) e prototipar o novo (cocriação);

9. Para acessar e ativar as fontes mais profundas dos campos sociais, três instrumentos devem ser ajustados ou “afinados”: a mente aberta, o coração aberto e a vontade aberta;

10. Abrir esses níveis mais profundos exige a superação de três barreiras: a voz do julgamento, a voz do cinismo e a voz do medo;

11. Cocriar exige um compromisso de servir o todo e a capacidade de reintegrar a inteligência da cabeça, do coração e das mãos;

12. Quanto maior o intervalo entre a complexidade sistêmica exterior e a capacidade interior de acessar os fluxos mais profundos de emergência, é mais provável que um sistema sairá dos trilhos e reverterá para um espaço destrutivo de anti-emergência;

13. O espaço social da anti-emergência é manifestado em um movimento reacionário conhecido como fundamentalismo;

14. O campo social é um todo em desenvolvimento que pode ser observado e experimentado pelas cinco dimensões. São elas: espaço social, tempo social, o coletivo, o eu e o espaço envolvente (terra);

15. À medida que um campo social se desenvolve e começa a incluir os mais profundos níveis e fluxos da emergência, a experiência de tempo, espaço, eu, coletivo e Terra funde-se por meio de um processo cultural de inversão;

16. A abertura das fontes e dos fluxos de emergência mais profundos inverte a relação entre o indivíduo e o coletivo;

17. A abertura das fontes mais profundas e dos campos de emergência transformam a relação entre o conhecedor e o conhecido;

18. O campo social é uma escultura de tempo na criação;

19. O desenvolvimento do campo social é uma função da ressonância mórfica sem escala;

20. O futuro de um sistema é uma função do campo a partir do qual escolhemos operar;

21. A força revolucionária neste século é o despertar de uma capacidade humana geradora profunda – o “eu no agora”.

Anotações da Teoria U, de Otto Scharmer.