terça-feira, 30 de novembro de 2010

Conversando sobre apropriação de tecnologia e ecossistemas culturais

Hoje, tive presente, a convite da Drica Veloso, num seminário sobre novos desafios da educação na era digital, no Núcleo Amigo do Professor, aqui em Belo Horizonte.

Conversa boa, só entre professores. Presente também o prof. José Moran, da ECA-USP.

A ideia do papo era tentar localizar um pouco melhor as discussões em torno do que de fato se torna um desafio nessa relação educação e tecnologia, se é que dá para colocar a questão desse jeito. Muitas conversas girando em vários locais, em várias publicações, livros, discussões em torno do tema, nem tão novo e nem tão discutido o suficiente.

De fato, ouvindo os professores, a questão de fundo que repercute é o que fazer com tudo isso. Como se organizar, como se preparar, como se relacionar com tudo isso sendo que o sistema formal educacional simplesmente deixa pouco espaço para propostas de relação mais flexíveis.

Há um contra-senso de fundo que gira em torno da questão: os sistemas de informação, a rede, tem um design de relações mais flexíveis, móveis, remotos, voltados para a promoção da colaboração e fluidez da informação. Os sistemas educacionais estão voltados para a disciplina e o controle, a garantia de validação de processos, a paranóia da prestação de contas e a tal da rede da educação se torna umbigada, conversando apenas consigo mesma nos meandros burocráticos dos seus processos.

Logo, o nó não é tecnológico, nem tampouco de acesso a tecnologia. O nó tá na proposta de relações que não se conversam, que não fazem sentido. Quando professores usam a rede em suas práticas educacionais, duas coisas, em geral, tendem a acontecer:
  1. nada acontece e os alunos não se apropriam, pois aquele espaço não é reconhecido por eles como sendo um legítimo espaço de apropriação;
  2. ocorre uma explosão informacional, com muito mais fluxo e apropriação do que o professor pode lidar, gerando a impressão de que há um caos no processo, atulhando o pouco tempo livre que temos para lidar com isso.

O que ocorre, ao meu ver, é uma falta de reflexão e preparo sobre como lidar com nossos sistemas relacionais e com os sistemas de informação em rede, que acreditamos que devemos nos apropriar como um próximo paradigma necessário para a educação. Mas, e a reflexão sobre que tipo de relação na educação propomos? E as aberturas necessárias e flexíveis para ativar um fluxo livre de conversa em rede? E a plasticidade de posições que precisamos ter para dar conta disso? E? E? E?

Há muito para se pensar nos projetos nessa área. As respostas não são fáceis, não prontas e nem tampouco modelos a serem seguidos. Uma das melhores alternativa é nos debruçarmos sobre cada caso, refletir, compreender, envolver o máximo de pessoas possíveis e se propor a construir um design emergente das relações e sistemas de informação que pretendemos utilizar.

E segue o trem....


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Emergência e ativação: a rede como alternativa e a rede como meio

Tenho feito algumas reflexões e análises de alguns projetos que venho participando ao longo dos últimos em como as propostas de rede foram construídas com discursos, intenções e processos bastante diferentes.

Me dei conta disso indo ao Fórum de Cultura Digital, conversando com algumas pessoas e refletindo sobre o que tem sido meu interesse nos últimos meses.

A intenção por trás de muitos projetos que participei, me parece, ser muito semelhante: ampliar o potencial de conexão entre pessoas e facilitar com que possam criar um espaço-bem comum que amplie o potencial de ação de cada um.
Intenções semelhantes, meios e caminhos para se fazer isso muito diferentes, baseados em princípios e crenças muito distintas.

A diferença sem dúvida é bem-vinda, aliás, inerente a própria de rede deve ser a forma como pensamos em processos para construir e facilitar o surgimento de redes. Longe de imaginar que possa haver uma forma melhor, forma correta ou mais efetiva, penso que a reflexão que toca é mais da ordem de poder descrever as minhas próprias apostas e caminhos.

Colocando dessa forma, vejo duas grandes divisões, em nível macro, na forma de atuar nos projetos que enxergo sobre rede:
  1. Atuação focada na aposta da emergência: são processos que, em geral, acreditam que um projeto de rede deve criar espaços coletivos fortemente baseados em sistemas de informação, conectar pessoas e criar um nível de abertura suficiente para que as pessoas possam se organizar, criar demandas e a forma de se articularem. Normalmente, são projetos que investem pouco no acompanhamento e na produção sínteses de informação, criando algum tipo de movimento que se proponha a trazer o maior grupo possível de pessoas junto.  São caracterizados por apostas mais focadas em eventos, intervenções midíaticas do que processos formativos, a longo prazo.
  2. Atuação focada na aposta da ativação: são processos que, em geral, acreditam que um projeto de rede deve criar uma estrutura de circulação da informação, produzindo instâncias gradativas de rede, com papéis desenhados para apoio, acompanhamento e intervenção crítica como possibilidade de síntese do processo em andamento. Normalmente, são projetos que investem fortemente em encontros presenciais de médio a longo prazo, cuidando da ambiência do encontro, dos espaços de conversa e, sobretudo, da criação de espaços de tomada de decisão coletiva que possam dar diretrizes e consensuar decisões de encaminhamento da rede. São caracterizados por apostas em processos formativos como elementos de ativação de rede, como elementos que criam estruturas cognitivas mínimas para facilitar a construção da participação e a produção de adesão por temas de relevância que surgem da conversação coletiva. 
Não creio que haja uma atuação melhor do que outra. Acho uma polaridade desnecessária. Creio que são formas e princípios que mostram diferentes formas, onde as apostas de ação são colocadas. As características de quem participa dessas duas formas de abordagem também me parecem muito diferentes, sendo a abordagem por emergência mais efetiva em grupos já "iniciados" na relação em rede, e a aposta na "ativação" mais efetiva em grupos que estão "sendo iniciados" na relação em rede.

Formas diferentes, logo, tipos de ação diferentes. A ativação prima por operar a partir do acolhimento, do afeto, da dimensão da linguagem e da dimensão da facilitação que produz intervenção e reorientação na ordem do discurso. Investimos na descrição e redescrição de si enquanto agente em rede. O investimento tá na composição, mais do que na própria produção da rede. A emergência versa melhor com o evento, o fato, o meme, demarca território, agencia uma visão e promove o embate, a disputa de idéias no território onde a maior força surge quando o Eu se destaca no coletivo, perante o próprio coletivo.

A rede pode ser vista como uma alternativa de organização, como uma maneira de promover ideias, princípios e ações. Ou, a rede pode ser vista como meio de diálogo, como princípio de dissolução da própria ideia do eu, sabendo que somos muitos e que o surge não tem autoria, a não ser a autoria da trama, da conexão, da multiplicidade que fala e se manifesta em diferentes sínteses, a partir de diferentes vozes, sem sequer haver a possibilidade de dizermos que alguma delas carrega qualquer hipótese de verdade.

A versão também é link. ;-)

domingo, 14 de novembro de 2010

Sistemas de informações e relações: metadesign dissolvendo fronteiras e ativando redes

A idéia do que facilita e promove colaboração em grupo de pessoas tem sido um tema que tem me interessado e direcionado minha atenção nos últimos meses com muita intensidade. Várias leituras tem trazido isso a tona, boas conversas com amigos, companheiros de trabalho e experimentações nos projetos têm fornecido pistas do que está por trás disso.

Sem dúvida, é uma questão seminal dos tempos em que vivemos. Se a explosão informacional é uma tendência irreversível, a construção de relações humanas mais saudáveis e colaborativas é o melhor tipo de filtro de relevância que podemos pensar em ativar em nossas comunidades. Dedicar tempo ao design das relações, ou melhor dizendo, ao metadesign de nossos processos de interação e trabalho é uma condição fundamental para que isso possa ser melhorado ao longo do tempo de existência de um grupo.

Parto do princípio de que "os sistemas interpessoais - grupos de estranhos, pares conjugais, famílias, relações psicoterapêuticas ou até internacionais etc. - podem ser encarados como circuitos de retroalimentação, dado que o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras pessoas." (do livro Pragmática da Comunicação Humana, pág. 28).

Considerando, portanto, que as relações constituem posições dentro de um sistema (gerente, marido, coordenador, facilitador, tutor, etc...) e que essas relações são reforçadas mutuamente quando na interação com outra pessoa que opera a partir do mesmo padrão de relação, assim surgem os circuitos de retroalimentação. Até aí, tudo isso tem sido falado e estudado desde o final da década 40, a partir da construção da cibernética e do estudo dos sistemas que operam a partir da ideia do feedback.

Mas, o que me chamou atenção fortemente nos últimos dias foi a pergunta que me coloquei: O que acontece quando um novo sistema de informação é inserido dentro de um grupo? O que ocorre com a dinâmica desse grupo? Como isso pode ser potencializado ou pode ser um problema para esse grupo em relação ao seu sistema de relações?

Um sistema de informação nada mais é do que um conjunto de regras lógicas de funcionamento escrito numa linguagem de programação por alguém ou um grupo de pessoas. Quem escreve o sistema tem uma concepção de padrão de interatividade que está buscando viabilizar pelo sistema. É aí que surge o primeiro ponto que vale a pena explicitar: que padrão de interação é esse? Será que não seria necessário um trabalho do ponto de vista das relações de um grupo de pessoas quando ele se depara com um novo sistema de informação no qual não está preparado para lidar? Como facilitar um grupo a se dar conta disto?

Um exemplo que pode ilustrar o que estou querendo pontuar. Imaginemos um grupo de pesquisa universitária, formado por seu orientador, seus orientandos, bolsistas, estagiários, etc. O grupo construiu uma dinâmica de trabalho, construiu posições e um sistema interpessoal que se reforça mutuamente ao longo dos processos de trabalho deste grupo.

De repente, o grupo passa a participar de um novo projeto que se propõe colaborativo. Um projeto onde o grupo tenha de sair de sua dinâmica atual de trabalho e tenha de interagir com grupos de fora, outros grupos que ainda não conhece em torno de uma proposta que deve ser construída coletivamente.

A colaboração, se levada a sério, passa a servir como uma política regulatória das relações. A colaboração esta muito mais atrelada a uma posição de uma relação que precisa dissolver fronteiras para poder ocorrer e se manifestar na sua potência. A colaboração não pode ser imposta, é construída a partir da política de como um grupo se vê e de como ele regula suas relações.

Até aí, ok. Mas, vamos seguir um pouco mais no exemplo. Então, o grupo se vê conectado com uma outra proposta política de relações, que objetivam se pautar pela colaboração. Para isso, o grupo é inserido em novos sistemas de informação (listas de email, blog coletivo, wiki, etc.).

Aqui vale destacar que algo ocorre e fica visível nessa conexão entre sistemas de informação e a política de relações de um grupo: se não há acoplamento na concepção dessas duas coisas, surge tensão, surge incômodo, pois o sistema de informação e a nova política de relações não se adapta a como o grupo funciona. Há dor, sofrimento, tensão. Uma certa perda de referências surge. O que funcionava tão bem antes, passa a não dar conta e ficamos em vão procurando culpados pela não-operância daquilo que vemos a nossa frente.

De fato, não há culpados, há relações que precisam ser revistas, posições que precisam ser reorganizadas, fluxos de comunicação que precisam ser reprojetados. Estamos falando aqui de uma nova política de relações que irá regular o sistema interpessoal que precisa surgir. Sem isso, o sistema corre o risco de colapsar, pois ele está cego para sua própria dinâmica.

Para fazer isso, o grupo de pessoas precisa dar um passo atrás e conseguir explicitar a política de relações que construiu até então. Passo extremamente difícil, árduo, penoso, pois vai na veia das zonas de conforto, status social e aquilo que imaginamos que nos trás estabilidade. Feito isso, surge a colaboração, surge o ver o outro como legítimo outro, surge a possibilidade de reprojetar relações e se reinventar como grupo. Sim, fronteiras precisam ser dissolvidas para que possamos de fato colaborar. 

Pensando do ponto de vista de um processo de ativação de redes, se o sistema se propõe a fazer esse trabalho, um salto qualitativo e quantitativo pode ser dado. As relações têm menos travas, menos bloqueios, produzir fluxos, operações, alinhamentos, conexões se tornam mais simples e mais suaves. Trabalho de uma vida, sem dúvida.

Mas, considerar que podemos fazer esse metadesign, esse processo de construção dessa política de relação explicitando o que de fato queremos nas duas dimensões que falei acima, é um passo importante no desenvolvimento de projetos em torno da idéia da colaboração e da inovação:
  • o metadesign dos sistemas de informação;
  • o metadesign dos sistemas interpessoais.
 Uma coisa pode ser gancho para a outra. Podemos começar um projeto por qualquer uma delas e criar níveis de entrelaçamento que possam adensar o trabalho, liberando o sistema de fronteiras e travas que lhe são inúteis e lhe impedem de conseguir aquilo que mais desejam como bem comum: a colaboração entre si.