terça-feira, 14 de agosto de 2012

Anotações sobre o papel da mediação nos movimentos de rede

       Movimentos que se propõe a formar redes podem ser vistos como movimentos que instauram e fazem girar o que vamos chamar aqui de zonas de intencionalidades. De que intencionalidades estamos falando?  Sem dúvida, de várias, múltiplas, ora congruentes, ora difusas, divergentes, sintéticas e em contínuo movimento enquanto surgirem novos enlaces e novos nós em conexão. Vejamos algumas.
    Há uma intencionalidade fundamental e que vai influenciar de forma determinante, porém não excludente, o contexto, a borda, o campo daquilo que se propõe a colocar em rede, ou seja, daquilo que se pretende que a rede gire e produza em seus enlaces de conectividade. Intencionalidade essa que, muitas vezes, é pouca clara, pouco falada, pouco visível mesmo para aqueles que se propõe a operá-la e acreditam que a determinam. Essa intencionalidade instaura, mesmo que em casos extremos e de um modo difuso a partir de um explícito não-lugar, um convite de relação. Vemos nesse convite que constrói a intencionalidade a conexão por temas de interesse, desejos de agrupamento, articulação, movimentos de rede que se propõe a algo.
    Mas há outras inúmeras intencionalidades que atuam e entrecruzam esse convite inicial. Falamos aqui das intencionalidades de quem responde a esse convite e se sente impelido a se tornar um nó na malha de conexões, buscando deslocá-las segundo seus próprios interesses, sejam eles congruentes ou divergentes entre si em determinados momentos, em determinadas instâncias de existência da própria rede.
    É essa zona de intencionalidades definida pelos movimentos de rede que, ao mesmo tempo, define a própria rede. Logo, observando desse lugar em que nos propomos a olhar, essa zona é um campo de cuidado e de atenção. Cuidado no sentido de que é nesse campo que podem surgir a explicitação de pressupostos, modos de ver o mundo, entendimentos senso-comum pelos quais nos definimos, valores a serem defendidos, disputados, desejados, rejeitados, definições, variabilidades de discurso que podem mesmo chegar a redefinir as próprias bordas da rede, levando a outros níveis de entendimento de nossas próprias intencionalidades. Atenção no sentido de que nesse campo surge uma possibilidade de atuação, de um espaço de trabalho que se permite a operar a partir das múltiplas intencionalidades como um elemento que instaura uma nova intencionalidade: ser caminho de passagem, elemento de reflexão e conexão das diferenças e semelhanças. É a partir desse cuidado e dessa atenção que nos propomos a construir o lugar do mediador e a função da mediação em movimentos de rede.
   
“A mediação seria o processo de criação de elos entre dois agentes constituindo um composto híbrido que não existia antes e que desloca os objetivos, funções e intenções previamente estabelecidos” (Bruno, 2010). 

“Um mediador não é uma causa, nem um efeito ou mero intermediário entre dois pólos definidos de antemão. Ele é um operador de diferenças, de desvios, de deslocamentos que redefine os termos postos em relação – o indivíduo e a tarefa, o sujeito e o seu mundo interno ou externo” (Bruno, 2010).

“O mediador de relações sociais pressupõe, além de afinidade ideológica com a proposta de intervenção, que ele tenha sensibilidade e disponibilidade interior para aguçar a escuta, e maturidade suficiente para extrair da experiência vivencial o material de que precisa para problematizar os temas da vida social que nos grupos se estampam. Desempenhar bem essa função exige também que essa pessoa esteja mobilizada para entender e querer transformar as relações que, na sociedade competitiva em que vivemos, aprendemos a estabelecer com diferentes tipos de autoridade” (Lima, 2009).

“Orientados pelo princípio da co-gestão, os indivíduos que assumem a função de mediadores das relações sociais dos grupos sabem disso (referindo-se ao papel dos líderes e hierarquia). Por isso não ocupam o papel burocrático de apaziguar as tensões cotidianas, como forma disfarçada de salvaguardar as hierarquias. Não são conciliadores, nem fazem acordos para evitar conflitos que venham desestabilizar o controle da situação” (Lima, 2009).

    No movimento por dentro da zona das intencionalidades, o mediador atua favorecendo a visibilidade as diferenças e semelhanças, acirrando contradições e produção de comum, tornando o híbrido método e forma de passagem por entre a diversidade de discursos e enunciados em circulação. É desse lugar que o mediador não se preocupa se há muita ou pouca conversa, se a conversa é tensa ou apenas “adequada”. O mediador opera a partir do que brota, ele opera a partir do desejo de conversa alheio e não com a intencionalidade de produzir apenas mais conversa, imaginando aqui que a quantidade define a qualidade do movimento. Mas, há um outro ponto ainda no campo das intencionalidades que surge nas anotações acima e que demanda um pouco mais de atenção: a afinidade ideológica com a proposta de intervenção.
    O mediador não é um animador, um mero provocador de conversas que tenta falar de um lugar neutro, residindo na inconsistência da completa falta de intencionalidade. Não. O mediador age e age de algum lugar. Que lugar é esse? Voltamos aqui a intencionalidade do próprio movimento que se propõe a produzir redes. Que movimento é esse? Que características possui? Que associações estabelece? Que perspectivas de sociedade, de mundo e de modos de relação lhe definem? Saber disso e, acima de tudo, se posicionar em relação a isso é condição de base do trabalho do mediador que se pensa do lugar do cuidado e da atenção a zona das intencionalidades. Afinal de contas, o mediador está serviço exatamente do quê mesmo?
                   
Referências:
   1. Teoria ator-rede e psicologia. Prefácio. Fabiana Bruno, 2010.
   2. Educação pelos meios de comunicação ou produção coletiva de comunicação na perspectiva da educomunicação. Grácia Lopes Lima. 2009.

Nenhum comentário: