terça-feira, 9 de junho de 2009

criação

Contra todo dever ser, contra todo modelo de perfeição, o sentimento de felicidade é a nossa maior arma no combate ao esmagamento contínuo da vida humana. Criar é uma resistência à submissão, e a felicidade que provém do ato criativo passa a nos guiar cada vez mais, já que através dela podemos avaliar as nossas atividades cotidianas sempre do ponto de vista do favorecimento ou do obstáculo à fruição da vida. Como o criador é movido por um desejo contínuo de distribuir os seus filhos ao mundo, é inevitável que, ao perceber que está muito próximo da morte, tenha como a única preocupação não a morte mesma, mas sim ter a certeza de que tudo que foi possível criar foi efetivamente distribuído ao mundo. Por isso que o pensamento da morte, quando nele surge, funciona apenas como mais um estímulo para tornar-se cada vez mais fecundo e para não desviar-se do seu caminho. Há, nele, um conhecimento de que tudo continua e que as coisas permanecem sempre de modo diferente... e a sua felicidade corresponde a uma certeza de que a roda gira desde sempre: esteja com vinte, quarenta ou oitenta anos, o criador não conhece cansaço porque não pára de beber da fonte onde jorra toda a matéria para o novo. Um músico transporta para a música as experiências que ele viveu – assim também faz o escritor ou todo aquele que cria. Mas quem cria é quem está aberto às novas experiências - e por isso as suas obras podem exprimir cada sentimento vivido. Como cada gesto nosso é um acontecimento absolutamente inédito no universo, o criador faz de sua obra um estimulante para que os outros também participem ativamente da criação do universo... Uma humanidade que não cria, não pode resistir por muito mais tempo ao seu próprio cansaço.

Amaury Ferreira

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