Não acredito que redes livres, processos de produção coletiva e auto-organização simplesmente aconteçam, sem que mais se possa pensar do como, por quê e de que modo acontecem. Acredito que há fatores que podem facilitar e tantos outros que podem dificultar experiências nesse sentido. Digo pelas próprias que já vivenciei e vivencio: não há nada trivial nelas, sendo que muitas simplesmente ocorrem devido a uma complexa composição de elementos que deram condições para que algo ali surgisse e, sobretudo, pudesse se manter.
Também não acredito que entender esses fatores seja garantia de que eles possam ser replicados em ações posteriores, levando a uma reprodução dos mesmos resultados. Definitivamente, não. Esse seria um modo de pensar no ser humano como mais um servomecanismo atuando a partir de alguma teoria de controle que pudesse ser documentada, organizada, arrumada e replicada em alguma instância. Não, não somos assim.
Mas.... Apesar de sermos únicos e singulares, atuamos a partir de condições muitas vezes semelhantes e acabamos por criar em nossa linguagem, cultura e modo de viver determinados padrões que acabam por ser replicados e fundarem modos de subjetividade bastante visíveis, reconhecíveis em várias pessoas. Alguns chamam isso de mitos, outros de tendências, outros de arquétipos, outros simplesmente não acreditam que eles possam existir. Eu me considero um dos que acredita, por uma série de experiências, evidências e vivências que empiricamente acabam por me fortalecer nessa opinião.
Acontece que o desenvolvimento da tecnologia, da ciência, da Internet e, sobretudo, das experiências de auto-organização e produção de coletivos têm fornecido cada vez mais possibilidades de estudarmos esses padrões, buscando entender que condições nos auxiliam, nos expandem, facilitam nosso encontro com o outro, facilitam a promoção do contato, da possibilidade de entendimento, de construção de relações mais flexíveis, móveis, adaptáveis e fluídas. Também nos possibilitam entender que condições travam, emperram, criam barreiras e ampliam abismos culturais que levam a mais desentendimento, falta de sentido e perspectiva, seja ela qual for.
Há condições que, quando compreendidas, visualizadas e refletidas, podem ser incorporadas em nossos modos de atuar e que podem facilitar um tanto o modo como agimos e operamos nas relações que estabelecemos. Entender como isso opera tem sido uma busca importante pela qual tenho me proposto a caminhar nos últimos tempos. O modo que venho fazendo isso é ampliar o repertório de metodologias de análise e estudo que conheço, criando condições mais favoráveis para que eu possa descrever e conversar sobre o tipo de olhar que venho propondo a estabelecer. Nada fácil, nada trivial, mas um caminho repleto de sentidos, forças e conhecimento que tem se tornado, além de divertido, encantador.
Uma das coisas que me deparei nesse final de semana e que me motivou a relatar por aqui foi um livro que encontrei quase sem querer na biblioteca do Senac Sorocaba: Trabalho em parceria - ação coletiva, bens comuns e múltiplos métodos. O livro é conduzido por Elinor Ostrom, primeira mulher prêmio Nobel em Economia em 2009 por seu trabalho com análise de ações coletivas e bens comuns.
O livro me chamou atenção logo de cara por juntar teorias tradicionais das Ciências Socias, com meta-análise e modelos de ação coletiva baseados em teoria dos agentes, algo que estudei no mestrado em engenharia da computação a alguns anos atrás e que venho retomando de alguns meses pra cá.
Achei ainda mais interessante pela fase em que me encontro, fazendo doutorado nas Ciências da Informação, uma ciência social aplicada, tendo vindo de anos de experiências, vivências e estudos relacionados as exatas, engenharias e ciências da computação. O multidisciplinar acaba fazendo mais sentido, como algo que em prática apenas junta pontos que facilitam o modo de compreender fenômenos complexos.
O livro fala de várias metodologias que ela e outros pesquisadores têm utilizado para estudar fatores que influenciam a ação coletiva, seja no compartilhamento de recursos naturais por comunidades, seja no uso de recursos financeiros em mercados altamente competitivos. Algo muito próximo a teoria dos jogos, mais com enfoque mais descentralizado dos estudos dos fatores de competição que levam a algum tipo de sucesso em jogos comerciais. O foco é outro.
Lá pelas tantas, ela salta com 3 suposições centrais que parecem fundamentar a decisão dos seres humanos em ambientes dilemáticos (pág. 289):
- as pessoas têm informações incompletas sobre a estrutura da situação na qual interagem uns com os outros, mas podem adquirir informações mais completas e confiáveis com o tempo, especificamente em situações que são frequentemente repetidas e geram um feedback confiável para os envolvidos;
- as pessoas têm preferências relacionadas para atingir benefícios líquidos para si mesmos, mas esses são combinados em muitas situações com outras normas e preferências relacionadas aos outros sobre ações apropriadas e resultados que afetam suas decisões;
- as pessoas usam uma variedade de heurísticas na tomada de decisões diárias que podem levar à maximização de benefícios líquidos (para si e para os outros) em algumas situações competitivas, mas são altamente cooperativos em outras situações.
3 pontos interessantes e que abrem boas conversas.
3 pontos que falam a partir de uma perspectiva de como as redes se organizam, considerando que são estruturas de compartilhamento e produção de relações, influências e modos de ser.
3 pontos que podem ajudar a explicar uma série de experiências e como orientam determinadas ações coletivas.
Mas, o que mais chamou atenção não foram os fatores em específico, mas sim o fato de que esses fatores não são externos a esses pesquisadores, mas eles simplesmente começaram a "enxergar" por dentro do pensamento econômico que há outros elementos fundamentais para se considerar na modelagem de sistemas que ultrapassam a ideia de competição como fator central. Essa não é uma pequena passagem. É algo bastante avançado, considerando o local de onde vem, o modo como surge e a forma que pode pautar o desenvolvimento de pesquisas, ciência e inovações importantes em modos de se pensar arranjos organizacionais possíveis.
É criando e experimentando com esse tipo de modelagem, por mais que saibamos que são condições sempre limitadas, que expandimos os horizontes do modo antigo de pensar e criamos novos parâmetros por onde construir novos modos de fazer política, ciência, filosofia a partir de outros parâmetros éticos.
Há um embrião de algo maior por aí que vale a pena ser observado com atenção: é na junção da ética da colaboração, um modo "espiritual" de relação e a tecnologia do nosso tempo que temos mais condições de dar contorno a novas ontologias que vão pautar a forma como vemos e entendemos o mundo a nossa volta.
Um comentário:
Adorei as possibilidades interessante, legal e engraçado pra poder reagir ao seu mini artigo. Mas como nenhuma me contempla, tive que escrever. Como você tem me ensinado coisas usando frases muito significativas, lembrei de uma quando li seu texto: A sabedoria dos homens é proporcional não à sua experiência mas à sua capacidade de adquirir experiência.George Bernard Shaw. Sei lá. Foi o que me veio à cabeça.
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