segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Metadesign e tecnologias como domínios relacionais

Arquiteturas de participação, design colaborativo, estruturas de relação, enfim, vários termos que tenho lido e pesquisado em relação a um tema que me chama e convida a atenção já faz algum tempo.

A percepção que venho tendo, baseada em uma série de experiências pessoais, profissionais e reflexões durante uma série de experimentos em projetos é que as tecnologias, a Internet, os processos de formação, as maneiras de se pensar e construir redes ajudam, mas ainda não tocam no ponto X que sinto que precisa ser tocado. 

Obviamente, to falando aqui de algo que me encanta, que me convida a agir: como pensar em processos que possibilitem ampliação da autonomia, da capacidade de auto-análise e reflexão, processos que posicionem as questões centrais de seu modo de operação em como nos produzimos sujeitos mais livres, com maiores possibilidades de nos constituirmos como bem quisermos.

Como trabalhar isso? Como posicionar uma ação, um projeto de modo a abordar essas questões? Como construir estratégias de interação que sirvam como ativadoras desse tipo de questão?

No universo em que vivo, onde Internet, inclusão digital, redes sociais, apropriação de tecnologia, software livre e tantos outros conceitos, aparentemente deveria ser mais fácil encontrar meios de abordar isso.

Mas, nada é trivial nessa questão. E, na real, muita confusão surge misturado com todos esses conceitos e não é à toa. A maioria dos projetos e ações usa conceitos interessantes, aparentemente libertadores, mas enfocam maneiras de pensar, de agir que apenas se propõe a replicar a lógica de um mercado, focando em demandas de consumo, replicação de padrões econômicos, administrativos e políticos que apenas visam manter a lógica de disseminação e proliferação do capital intactas.

Nenhum problema em manter as relações do capital, mas a questão que me interessa é como ampliar as possibilidades de relacionamento entre nós, para além de uma relação mediada pela grana e pela lógica de competição (chame como quiser, reputação, branding, meritocracia, etc) em que objetiva acumular mais grana.


Humberto Maturana, o biólogo chileno, deu algumas excelentes dicas de como olhar para essas questões a partir de sua maneira de pensar a biologia, o que nos constitui humanos e como podemos pensar novas maneiras de entender tecnologia e processos de design de tecnologia.

Chamo a atenção para 3 distinções importantes, que podem mudar muita coisa em nosso fazer cotidiano:
  1. tecnologias podem ser vistas como domínios operacionais, por onde projetamos e podemos executar uma série de processos organizados de forma coerente com algum tipo de visão. Podem ser vistas como meios de nos relacionarmos, como propostas de domínios de relação entre nós, humanos;
  2. a forma como nos relacionamos envolve o entrelaçamento entre nossas emoções e a forma como nos expressamos pela linguagem. A razão surge como derivação disso, sendo que ela é constantemente modulada pelas nossas emoções. Usamos argumentos lógicos como uma forma de justificarmos, muitas das vezes, esse tipo específico de entrelaçamento que ocorre em nosso viver cotidiano;
  3. a cultura é conservada e se manifesta como produto de nossas redes de conversações, através de processos educacionais conservados ao longo de gerações. 
Aqui surge o ponto-chave de Matuana:

Se as redes de conversação são pautadas pelas nossas emoções, o uso de novas tecnologias, de novos programas de formação, de novas propostas de relação não tocará o ponto que precisa tocar, ou seja, não terá condições de atuar efetivamente como um processo profundo de transformação da cultura se não tocar as nossas emoções.

E tocar as emoções, ampliar nosso potencial de olhar para elas e perceber como se constituem em nosso viver é um ponto fundamental da própria construção de autonomia.

Sem dúvida, é possível fazer isso em processos de metadesign que se proponham a tocar esses pontos, que se propanham sobretudo a:
  1. desenhar os domínios relacionais em que iremos operar;
  2. permitir a discussão sobre aquilo que queremos conservar como grupo e aquilo que estamos prontos para abrirmos;
  3. usarmos a rede como espaço de interação e reflexão contínua sobre a coerência de nossas operações, sobre espaço de validação coletiva e, sobretudo, como espaço que reflita, em suas coerências operacionais, a maneira como nos colocamos em relação.
Se isso será mais ou menos produtivo, não creio que seja a questão.
Se isso poderá ser avaliado com as métricas que regulam competição e acúmulo de capital, acho pouco provável.

Se isso poderá criar ambientes mais interessantes, mais saudáveis, mais flexíveis, aí sim, tenho cá comigo que o trem segue nessa direção.

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