Refletir sobre o viver humano é refletir a partir de algum lugar, de alguma referência que pauta/modula a estrutura de pensamento de onde partimos. Essa estrutura é nossa base de coerência, é aquilo que usamos como referência (seja consciente ou inconsciente) para descrever as coerências daquilo que somos capazes de distinguir no que experienciamos.
Essa capacidade de distinção não é algo místico, sobrenatural ou que possa ser mensurado a partir de maior ou menor capacidade, a não ser que eu veja isso a partir de um sistema restrito de concepções que posso ter a tendência de chamar de verdade. A nossa capacidade de distinção é construída culturalmente, a partir da extensa vivência e somatória de experiências que vivenciamos ao longo da vida. As experiências vão se somando, vão impactando nosso corpo, vão sedimentando conceitos, enrigecendo sensações, percepções e toda a nossa estrutura de mente-corpo passa a ser coerente com uma determinada visão, uma forma de pensar. Tudo passa a girar em torno disso, passamos a classificar, mesmo que de forma inconsciente, o mundo: algumas experiências nos parecem mais válidas que outras, mais legítimas, mais corretas.
Dessa forma, vamos nos dando conta, se nos dispusermos a questionar nossos próprios referenciais, que construímos nossas referências a partir da soma de relações que fomos vivenciando em nossas vidas. Se as relações fossem diferentes, provavelmente as concepções, as percepções de mundo também seriam. Somos um produto contínuamente em mutação da coerência de nossa própria história de vida.
Sem dúvida, procurar ver, tornar consciente, dar-se conta desse lugar de onde falamos e procurar colocá-lo em perspectiva me parece ser uma atitude fundamental para facilitar a fluidez nas relações humanas, nas redes de conversações nas quais engatamos ao longo da nossa vida. Colocar-se em perspectiva é um ato de amor para consigo mesmo, pois tem o efeito de criar um espaço de reflexão para podermos questionar os fundamentos de nossas próprias coerências, os fundamentos de onde falamos o que falamos e de onde fazemos o que fazemos.
Esse dar-se conta não é algo simples, trivial.
Como perceber os próprios fundamentos? Como perceber os próprios pontos de rigidez?
Como questionar esses fundamentos? Como não criar um processo que migre de um fundamento ao outro, sem refletir a própria concepção da rigidez dos fundamentos?
Me parecem questões importantes, difíceis de serem respondidas, mas que nos colocam em lugares interessantes para descobrir técnicas de si, de autoconhecimento, de novos caminhos explicativos que podem servir como instrumentos de liberação da própria rigidez das estruturas sólidas que fomos cultivando ao longo do nosso viver.
Refletir sobre algumas noções sistêmicas fundamentais do nosso viver humano, como propõe Humberto Maturna e Ximena Davila, no livro Habitar Humano, me faz sentir numa espiral do ir se dando conta de como ir integrando os princípios sistêmicos nas coerências do meu viver. Essa integração surge na forma de olhar, naquilo mesmo que distingue o olhar.
Essas noções sistêmicas servem como elementos de reflexão, como pontos de apoio para questionar os próprios fundamentos:
O saber: tudo o que é dito é dito por um observador a outro observador que pode ser ele próprio ou ela própria.
O fazer: tudo o que é feito é feito por um ser humano no âmbito da antroposfera que surge com ele.
O suceder: cada vez que num conjunto de elementos começam a se conservar certas relações, abre-se espaço para que tudo mude em torno das relações que se conservam.
O escolher: a história dos seres vivos em geral e dos seres humanos em particular tem seguido e segue um curso definido em cada instante pelos desejos, pelas preferências, pelas ganas, pelas emoções em geral.
O operar: todo sistema humano e não humano opera perfeito quando opera; não existe a disfuncionalidade no operar de um sistema.
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