quarta-feira, 31 de março de 2010

Algumas anotações sobre a "A Árvore do Conhecimento" - Maturana e Varela

O ano passado retomei o contato com o trabalho do Humberto Maturana através do livro Habitar Humano. Já conhecia o trabalho dele pelos toque que o Fritojf Capra fez no livro Teia da Vida. O Habitar Humano mexeu muito com algumas compreensões que tinha a respeito das conversações e a respeito da forma que fazemos rede. Há duas semanas atrás voltei para reler o livro e achei mais interessante e mais forte ainda do que a primeira leitura. Foi impactante o suficiente para retirar da estante a primeira obra do Maturana, ainda com o Francisco Varela, A Árvore do Conhecimento.

Comecei no final de semana. Sábado de retiro e meditação. As páginas foram fazendo cada vez mais sentido quando contextualizado com tudo aquilo que venho pesquisando sobre redes sociais, sobre complexidade de sistemas e sobre pensamento complexo. Parecia incrível que estava ali, à disposição, tantas idéias fundantes e claras a respeito de como conhecemos, de como interagimos e de como nos relacionamos pela linguagem a partir de nossa estrutura biológica. Terminei hoje pela manhã o livro. Vindo trabalhar e me sentindo tocado por aquilo, como se fizesse um sentido ancestral e como se fosse necessário repensar todo o meu fazer no que toca as práticas e formas de atuar. Além do campo do trabalho, o campo da conversa, do agir e interagir em rede, do se relacionar em qualquer âmbito e espaço de interação. O desejo ficou de anotar algumas idéias chave por aqui para poder ir retomando e registrando a forma que vejo e sinto a respeito disso tudo.

Algumas idéias do livro:

  1. afirmamos que, no âmago das dificuldades do homem atual, está seu desconhecimento do conhecer. (pág. 270);
  2. cegos diante dessa transcendência de nossos atos, pretendemos que o mundo tenha um devir independente de nós, que justifique nossa irresponsabilidade por eles. Confundimos a imagem que buscamos projetar, o papel que representamos, com o ser que verdadeiramente construímos em nosso viver cotidiano (pág. 271);
  3. qualquer coisa que destrua ou limite a aceitação do outro, desde a competição até a posse da verdade, passando pela certeza ideológica, destrói ou limita o acontecimento do fenômeno social. Portanto, destrói também o ser humano, porque elimina o processo biológico que o gera. Não nos enganemos. (pág. 269);
  4. a esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo - que sempre implica uma experiência nova - , podemos chegar pelo raciocínio ou mais diretamente, porque alguma circunstância nos leva a ver o outro como um igual, um ato que habitualmente chamamos de amor. (pág. 268);
  5. se sabemos que nosso mundo é sempre o que construímos com os outros, cada vez que nos encontrarmos em contradição ou oposição com outro ser humano com qual desejamos conviver, nossa atitude não poderá ser reafirmar o que vemos do nosso próprio ponto de vista. Ela consistirá em apreciar que nosso ponto de vista é o resultado de um acoplamento estrutural no domínio experencial, tão válido quanto o de nosso oponente, mesmo que o dele nos pareça menos desejável. (pág. 267);
  6. o conhecimento do conhecimento obriga. Obriga-nos a assumir uma atitude de permanente vigília contra a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um vê fosse O mundo e não UM mundo que construímos juntamente com os outros. (pág. 267);
  7. a estrutura obriga. Por sermos humanos, somos inseparáveis da trama de acoplamentos estruturais tecida por nossa permanente "trofolaxe" linguística. A linguagem não foi inventada por um indivíduo sozinho na apreensão de um mundo externo. Portanto, ela não pode ser usada como ferramenta para a revelação desse mundo. Ao contrário, é dentro da própria linguagem que o ato de conhecer, na coordenação comportamental que é a linguagem, faz surgir um mundo. Percebemos um mútuo acoplamento linguístico, não porque a linguagem nos permita dizer o que somos, mas porque somos na linguagem, num contínuo ser nos mundos linguísticos e semânticos que geramos com os outros. Vemo-nos nesse acoplamento, não como a origem de uma referência nem em relação a uma origem, mas como um modo de contínua transformação no devir do mundo linguístico que construímos com os outros seres humanos. (pág. 257);
  8. a coerência e a estabilização da sociedade como unidade se produzirá, dessa vez, mediante os mecanismos tornados possíveis pelo funcionamento linguístico e sua ampliação na linguagem. Essa nova dimensão de coerência operacional é o que experimentamos como consciência e como "nossa" mente. (pág. 255).
 Certamente, tem muito, mas esses tópicos principais chamam muita a atenção para um fazer que inclua essa dimensão cognitiva do outro como modus operandi.

 Nossa autopoiesis cria camadas a partir do aumento de complexidade de nosso sistema neural. A linguagem surge como deriva desse aumento de complexidade. Na relação com outro, as múltiplas possibilidades do linguajear surgem e com elas a capacidade de reflexão. Surge a mente e a consciência como possibilidade complexa de conectividade de nosso sistema neural. A possibilidade de linguagem é derivada de acoplamentos estruturais no domínio semântico da forma como descrevemos nossas coerências operacionais. É uma camada abstrata que surge e que podemos interagir por ela (isso certamente tem a ver com a idéia de websemântica do Levy). Considerar o domínio cognitivo reflexivo do outro é expandir o próprio domínio, aumento o campo de complexidade em que podemos navegar e enxergar...

E o que isso tem a ver com as redes sociais? e com ativação das redes? Hummm.... Será? ;-)

5 comentários:

Nathália Kneipp disse...

Pedi esse livro pela Amazon. Não chegou. Felizmente o achei na biblioteca da Escola de Redes. "Considerar o domínio cognitivo reflexivo do outro é expandir o próprio domínio, aumento o campo de complexidade em que podemos navegar e enxergar.." Tem tudo a ver com "estar em rede"; ser capaz de estabelecer relação (que depende da afetividade, abertura à cognição do outro). Naquele vídeo do grupo que esteve com o Luiz Algarra na CIRS, é como uma participante mencionou: "rede não é vc ter a sua patota, mas e sim a percepção do coletivo que te permeia". Caso contrário, as pessoas não estabelecem relação e vai-se para a "improbabilidade da comunicação" do Luhmann.
n

Dalton Martins disse...

pois é, nathália.
concordo contigo.
perceber o outro como um domínio cognitivo próprio e não como alguém que disputa contigo o sentido de realidade é um grande avanço no sentido do viver e conviver humano.

e a relação com isso ao estar é direto, pois estamos em rede na linguagem, que é pura relação.

bj,
dalton

Mônica Alvarenga disse...

Dalton, gostei do blog, dos seus comentários sobre Maturana, cujo pensamento conheço no meu sentir. Estou acabando a Teia da Vida. Gostei mto de seu podcast. Tenho mtas coisas gravadas pq gosto de escutar qdo caminho ou dirijo. Pode me ajudar a fazer algo semelhante para disponibilizar for all? www.realvalor.blogspot.com

Dalton Martins disse...

Mônica,

posso ajudar sim.
é necessário que vc. crie uma conta no Podomatic para poder fazer upload de seus podcasts:
https://www.podomatic.com/path/signup

qualquer dúvida que precisar, dá um toque!

abs,
dalton

Luciana disse...

Oi Dalton,
Adorei suas anotações, Obrigada por compartilhar. Chamou-me a atenção a idéia de que a consciência emerge das interações linguísticasn(ponto 8). Isso porque essas interações,numa rede, não estão em uma ou outra pessoa, mas no entre, na própria relação. Assim, haveria um tipo de consciência que emerge somente nas redes, o que rompe com a idéia de um "eu consciente" como um acontecimento pessoal.
Talvez essa seja uma leitura interessante a se adotar quando fazemos netweaving. A questão seria: que tipo de consciência está emergindo nas interações da rede?

abs,

@Luziata