domingo, 9 de novembro de 2014

Ventania

Já chega o tempo em que não habito mais aquele que fui
Do sentido ao instante das palavras, algo já não mais resiste
Rompe o pacto de seguir como escolha possível
E me lança por entre ramas entrelaçadas de espaços.

Não se trata de algo que se anuncia,
Se contempla a chegada ou partida
Nem tampouco versões de uma mesma história
Contada e recontada como as lendas de um povo.

Dos espaços, apenas se enxergam aberturas
Passagens secretas sem entradas ou saídas
Possibilidades revelando as portas de um mistério
Apenas à espera da ousadia de serem percebidas.

E assim, se percebe que nem tudo como antes
Que as travessias todas são medidas pelo tamanho de um agora
Onde me permito leveza de ar sem saber propriamente os rumos da corrente
Fonte de todas as formas, todos os fluxos, todos os tempos.

E ali, postado feito vento, seco, rasteiro
Algo morre e se desfaz em ventania
Libertando tudo aquilo que não se conhecia a se tornar presente
Súbita manifestação sincera de um outro modo de ser.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Mestre da Dança

Quanto em ti, antigo hábito de ser, me reconheço outro
Percorre em mim o caminho dos vínculos
A rota traçada entre os meios do tempo
E amanheço de súbito, pleno de possibilidades.

Mas, me esqueço por inteiro
Desapareço o nexo, inverto o passo
Mudo de ideia, silencio quando falo
Insustentável sorriso à espera de um quando.

Não resisto e nem sustento um estado de ver
Apenas sou. Levado, recortado, fatiado.
Entremeiado de fluxos e de esperas
Me entrego a tudo o que em mim pede passagem.

Me espanto com aquilo que silencia
E procuro seus sentidos por entre os becos de minha angústia
Mas nada mais sustenta minha posse de mim mesmo
E assim, nú de caminhos, sigo trechos de uma outra história.

Mas, mesmo ali, rebento no mundo,
Reconheço o brilho do menino
O traço de retina por onde me dobro pelo avesso
E escuto, ainda que longe, a velha demanda descoberta.

Ligeiro, travesso, rodeado de traços
Ele me lembra da liberdade das formas
Me desafia, me inventa, me pede atenção
Ao tempo do cuidado das forças de criar.

E cria mundos, horizontes de chegada
E me inventa em histórias
Contadas ao sabor das próprias palavras
Onde ali, insuspeito, renasço feito um posseiro...

... dos espaços de minha alma.


domingo, 28 de setembro de 2014

O querer

Da angústia, já não mais procuro fuga
Procuro por onde os dedos possam tocar
E desenhar entradas ao convite do silêncio
Aguardando cessarem mundos sem fim.

E cessam versões de uma história
E seus seguidores, assim silenciados,
Já não mais disputam o sentido da verdade
E então começam a ouvir estranhos rumores,

Sons desconhecidos e cores inventadas sem memória.
Procuram pela terra a origem dos tremores
Vasculham no céu o caminho dos ventos
Mas nada encontram que lhes forneça uma pista sequer.

Desorientados, dançam,
E dançando inventam caminhos,
Produzem palavras e tecem o novo mito
Um novo ritmo a seguir dissipado na multidão dos valores comuns.

Mas, há os que se negam a seguir,
E há os que, desorientados, se negam a dançar
Insistem e permanecem ali, diante do silêncio
Instalados na abertura, de frente ao nada.

Senhores do tempo, amedrontados e resistentes,
Aguardam surgirem traços de sinais
O pulso invariável do momento seguinte
Onde assim, despidos, finalmente se encontram com seu próprio querer.

domingo, 21 de setembro de 2014

Nudez

De um momento para o outro, um estalo
Parado, me deito, quieto, atento ao som que pulsa
E começo a me despir das cores e vozes do mundo.

As impressões são mais fáceis
Leves tremores da epiderme bastam, trepidam e se vão.

Preconceitos são resistentes, se escondem pelas juntas
E se rebocam pelos fluídos da respiração noturna
Já dão mais trabalho e demandam raspagem cutânea
Feito talhadeira atenta aos detalhes de cada batida.

O pior são as verdades
Imutáveis estruturas ósseas
Sustentam a carne que se move
E me lembram da existência a cada traço de cotidiano.

Demandam outra forma de nudez
Daquela que trança os sentidos
Recriando formas, passagens e os meios
Dissolvidas pela angústia...

… de escutar as próprias palavras nascidas do silêncio.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

De cara nova...

Retomar esse espaço é muito mais do que apenas atualizar as informações e retomar o velho hábito de documentar o que tenho feito, pensado e experimentado por esse mundão.

Retomar esse espaço nesse ano significa um tanto a mais.
Significa se dispor a ocupar este blog de uma forma um pouco mais crítica e com um desejo maior de não apenas relatar, mas de detalhar e explicitar o que tenho feito e os modos como tenho feito.

Abrir o espaço para contar das pesquisas, dos seus objetivos, do que tem me motivado e como tenho lidado com isso.  Abrir o espaço para contar o que tenho lido, como tenho lido e o que pretendo fazer com isso. Abrir o espaço para dizer do que me impacta na relação com o mundo, com as notícias e com as possibilidades que vejo de reinterpretar e criticar o que leio.

Enfim, em 2014 experimentar, em muitos sentidos, uma outra relação consigo mesmo que se expressa por aqui numa outra relação com a própria informação.

Que o corpo tenha fôlego, que os olhos tenham brilho e que a alma se permita a mais esse passo. Que assim seja. ;-)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Medos

Um medo passou por aqui,
Deu um sinal de canto de olhar e me aguardou passar logo a frente, a espreita. Outro fingiu que me olhava pelo espelho retrovisor de um carro com pressa, Cruzando a cidade na madrugada fria.
Um terceiro, parado na porta de casa,
Me pedia insistente sua cota de atenção, energia e vida.
Juntos, tentaram apenas me imobilizar,
Pedindo apenas que eu consentisse que ja nao era mais capaz de viver sem eles.

Fizeram juras de amor, cantaram cancoes, fizeram promessas de fidelidade. Foram agressivos.
Me disseram que sem eles, sem a frustracao que me traziam, eu seria fraco, Apenas um pouco mais de nada em meio a um mundo de fortes, todos eles protegidos por seus medos fieis.

Por longos anos, hesitei, lhes concedendo frestas de razao, a vez e a prioridade nas tomadas de decisao.
Mas, subitamente, hoje não.
Hoje, talvez, eu de fato não seja mais eu e não me procure neles, para firmar referância e saber o que fazer quando a vida me pegar deprevinido.

Hoje não. Não tenho resposta, só carrego perguntas.
Não tenho certezas, só carrego a mente que é capaz de produzi-las.
Hoje o tempo vai passar diferente, apenas aguardando o agora no momento seguinte.
Hoje só direi talvez.
E não direi talvez como quem duvida de si, mas como quem assiste aos diversos si surgindo e desaparecendo diante de si.

Hoje o quando desaparece de mim e surge, como se fosse um antigo conhecido, dando lugar a coragem do vir a ser.
Hoje, e talvez apenas hoje, os medos não me encontrarão igual, rindo de minha previsibilidade perante suas velhas questões e minhas velhas respostas.

Hoje, não.
Hoje despertei menino, veloz, traquina, risonho.
Hoje só cabe ele no espaço de um dia.