domingo, 2 de dezembro de 2012

Modelos de redes e novas possibilidades de pensar no campo informacional para bibliotecas: Seminário de Usos de Redes Sociais para Publicação Científica na USP

Pensar em redes é, muitas vezes, uma questão de enxergar como as coisas podem se relacionar entre si. A potência da análise de redes sociais está em permitir visualizarmos as relações que acreditamos existir, facilitando dar contorno e tornar mais evidente que possíveis padrões de relacionamento estamos diante. Pensar em padrões, mais do que pensar naquilo que é determinado, é pensar naquilo que se conjuga nos hábitos, nas tendências de relação que talvez ainda não tenhamos nos dado conta.

Em tese, estamos diante de uma ferramenta de espelhamento, facilitando perceber diversos contextos espelhados nas relações que definem os limites de um sistema. Podemos ver aqui refletidos as políticas de relação, as formas, os modos e as diferentes maneiras possíveis nas quais esses sistemas são concebidos e apropriados por aqueles que lhes utilizam.

Foi com essa motivação como ponto de partida que montei essa apresentação para o Seminário de Usos de Redes Sociais na Produção Científica na USP.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Domínios de si

Apenas por entre silêncios
Há uma voz que fala
A palavra liberta
Dos domínios de si.

Silêncio dos sentidos
Que calados apenas observam
O emudecer do ritmo
...Do pulso que se expande.

Desencontro de palavras
Que de distantes
Se entrelaçam nos ecos
Esvaziados de multidão.

Presença de um ponto final
Demarcando o tempo de espera
De onde já não há entres
E nem o mais do vir a ser.

A secura do que não aperta
E nem constrange de ausência
Não esvai de solidão
O vazio do que se aguarda em estado de alerta...

... Apenas a palavra liberta
Dos domínios de si.

domingo, 18 de novembro de 2012

Jogos de a(r)mar

Da parte que te quer
Metade te quer inteira
Face de outra história
Onde te invento de repente.

Ideia rasteira
Súbita memória
Lembrança do querer
Traço de mim.

Viro página
Rebusco livro
Reencontro verso
Desejo de sim.

Abro mala
Dobro gaveta
Despeço visão
E aguardo, ainda atento.

A outra parte sorri
Brincando de razão
Virando sentimento
Do inverso de si.

Mais, pra quê?
Daqui onde assisto
Vejo a parte que quer
Inventando resistência
Pra ocupar a que não quer
Que se ocupa do argumento do querer

Que já nem liga pro fundamento da existência
Pro sentido do passeio
De passagem devaneio
Nascido por entre olhares de admiração e respeito.

E assim, satisfeito, sigo brincando
De te descobrir de novo
Desenhada na íris refletida
De uma memória de passagem.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Mediações

Ainda há em mim um gemido de espaço
Uma busca sem pergunta
Ou necessidade de resposta

Um olhar que vasculha o vir a ser
Em estado de espera
Aguardando repousarem memórias futuras
Por entre vitrais refletindo possibilidades.

Mas ainda há mais.
Há uma busca de sentindo que transborda palavras
Enveredadas em labirintos nascidos dos limites
Daquilo que tudo que ainda jamais ousei!

Recusa de um lugar na fileira
Dos que já sabem e defendem a verdade
Meu não-dito ainda reflete o espanto
De se deparar consigo mesmo por entre
                           fontes de águas desconhecidas.

E como se já não fosse o excesso
Há ainda mais.

Há o desejo do encontro
Da provocação do que desloca o traço que fixei
Do comum que experimenta e se descobre em próprio ato
Do reinventar-se como prática de si em plena fome que não cessa de mover
Do sentir liberto, presente apenas na verdade do convocar-se a estar ali.

Há o desejo da roda
O que gira, gira junto
Batuque de mão, movimento de perna
O que gira, roda gira
Palavra de centro, olho no olho.

O que gira, ainda ensimesmado, ainda gira aqui
Dentro de mim.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Metade do um

Palavra inteira, fundo de alma
Meia metade do um, pressão do impulso
Olho vazado de um sim
Vaso cortado no traço, trejeito
Sobra de muro, goteira de um risco
Pingando no pulso, tambor de memória.

Sem sombra, sem nada
Palavra inteira virada, dobrada no avesso
Atravessada no trânsito, buraco rasteiro
Ligeiro roteiro de um triz
Meio fio, meia vida, meia medida, meia verdade, meias palavras...

Coragem cruzada, pavor de desvio
No meio da não-resposta, o instante
Onde terra contorna palavra cifrada
Centro de um símbolo
A espreita de ser pega, desnudada em sentido

Revelada em meio ao jogo
Como movimento de um entre
Onde voz se cala e ali me encontro
Descoberto de fronteira, sem borda de contorno
F1 de ajuda ou saída de emergência

Apenas atento, à espera de um sinal.

sábado, 10 de novembro de 2012

O Doutorado: o processo, a vivência e os companheiros

Faz aproximadamente uma semana que aconteceu minha defesa do doutorado. Um processo forte, do começo ao fim, com uma duração de aproximadamente 4 anos, cercados de muitas, mas realmente muitas mudanças que ocorreram em várias faces da vida de lá pra cá. É óbvio que tudo isso foi impactando e foi impactado por aquilo que viria a se tornar essa tese e a forma como a mesma foi senda gerada, gestada e parida.

Desde o começo, fiquei com uma vontade de contar por aqui como foi esse processo, suas principais etapas, aprendizados, produções e conexões que dali surgiram. Bem, eis o momento.

Motivação
A motivação para começar era circunscrita a dois grandes aspectos: o desejo/sonho de aprender a sistematizar melhor uma pesquisa, dando conta de mapear tendências, apontar evidências e construir uma linha de raciocínio própria em meio a tudo isso, além disso, a intuição de que o estudo aprofundado das redes e seus possibilidades de análise abririam um campo novo de trabalho, permitindo ampliar minha capacidade de olhar que com as ferramentas que tinha até então ainda não era capaz.
A intuição foi se mostrando forte o suficiente para apoiar os primeiros passos e, tão rápido quanto eles aconteceram, foi se mostrando também muito útil nos próprios projetos que ia desenvolvendo ao longo desses anos, onde também tive a oportunidade de utilizar parte do que aprendia e experimentar efeitos até então ainda inexplorados.

Mergulhando em um tema
Acredito, depois de tudo isso, que é preciso uma grande coragem e força de vontade para mergulhar fundo, mas fundo no próprio fundo, em um tema. O nível de detalhes que se abrem, as possibilidades infinitas de recombinação daquilo que se lê e daquilo que se pode interpretar, além dos inúmeros atravessamentos que vão acontecendo ao longo do caminho levando a deliciosas dispersões representam uma enorme oportunidade de conhecimento e um perigo enorme de se perder e nunca mais se achar.
Um pouco da disciplina do velho bode só fez ajudar. O mergulho foi delícia e quanto mais conhecia, mais queria conhecer. O ponto de inflexão foi tão forte que a decisão de continuar pesquisando o tema e prosseguir nos estudos foi quase de imediato. Sem dúvida, sei muito pouco do que ainda quero saber e experimentar, mas agora tenho um pouco mais de convicção no caminho a percorrer para chegar nesse conhecimento.
As boas dicas de metodologia científica, como o delicioso livro Como se fazer uma tese, do Umberto Eco, foram sem dúvida divisores de momentos no processo do mergulho. Acho que o que mais ganhei entrando por esse caminho foi a perspectiva de transformar a tese em um jogo. Aí, tudo ganhou um novo sentido. Não importava tanto os resultados a serem obtidos ali, importava mais montar o quebra cabeça, saber encaixas as peças, perceber o que ainda faltava na linha de raciocínio e ir atrás, achar novas pistas, dicas de por onde ir, mergulhar em novas possibilidades, mas saber voltar e fazer o caminho de registro de traço a mais no contorno do que ia me definindo ao longo do texto.
A tese foi projetiva de uma narrativa muito mais pessoal do que técnica. Foi canal de expressão de possibilidades analíticas que não estavam dadas em meu repertório de possibilidades antes desse mergulho. Ver isso tomando forma foi tão prazeroso quanto escrever a própria história.
O mergulho foi fundo. Me levou a novas áreas. Entrei em contato com as Ciências da Complexidade, Estatística Multivariada, Análise Dinâmica de Redes, Biopolítica, Sociologia da Ciência, Antropologia, Psicologia Social e Filosofia, só pra falar de bate pronto daquilo que me ressalta como mais forte nesse momento. Sem dúvida, há mais. Mas essas áreas foram fronteiras novas que foram descobertas e, sem dúvida, apontam ainda muito para se conhecer.
A sensação é de que o mergulho ainda tá em processo. A tese foi apenas uma etapa do respiro necessário para poder continuar.

A orientação
A relação de orientação que estabeleci com a Sueli foi de fato uma relação de outra ordem daquilo que eu estava acostumado em um ambiente acadêmico. Tivemos um contato limitado pelo tempo, sem dúvida, devido a várias agendas complexas, tanto dela quanto minha. Mas, o tempo juntos foi extremamente produtivo no sentido de abrir novas visões do que era a construção de uma tese, de como seguir uma linha de narrativa e de como definir minhas hipóteses, objetivos e perspectivas de modo a realmente me ajudar a entender a mim mesmo, para além daquilo que de fato ia se tornar um produto deste trabalho.

Admiração e respeito surgiram desse processo. Aprendi muito com ela, o que de fato já tenho aplicado na relação com meus próprios alunos na Fatec São Paulo e no Senac Sorocaba, onde tenho orientado os TCCs da moçada por ali. Acho que fica aqui, sobretudo, um desejo de ter mais contato e aprender mais sobre essa forma de pensar e estruturar ideias, o que tanto tem me agradado nos últimos anos.

A produção
Produzir artigos, participar de eventos e utilizar isso como um caminho de conhecimento da própria área da Ciência da Informação na qual estava entrando se tornou um desafio instigante e provocador de um tipo de deslocamento ao qual eu estava pouco acostumado até então. Ir a vários eventos como participante, sentado ali na platéia apenas para ouvir e, quando apresentava um trabalho, falar apenas poucos minutos, acabou me dando uma nova perspectiva do que aquelas pessoas pensavam e como analisam seus temas de interesse.
Conheci muita gente interessante e tive a oportunidade de estabelecer bons contatos ao longo desses anos.
Acho que vale registrar por aqui por onde passei, apresentando trabalhos e vendo o que os outros grupos e estudantes estavam produzindo (as apresentações que fiz nesses eventos estão registradas aqui):

  1. VIII Evidosol
  2. 12º Fisl
  3. 13 ISSI
  4. X CINFORM
  5. IV SECIN
  6. I WPOSINFO
  7. XII ENANCIB
  8. III Seminário de pesquisas em andamento da ECA
  9. 9th CONTECSI
  10. 11º KMBrasil
  11. 3º EBBC
  12. I SITI
  13. 14º Congresso de Tecnologia da FATEC-SP
  14. IV Semana de Pedagogia da UFSCAR
  15. XIII ENANCIB
 Ao longo desses eventos, tive a oportunidade conhecer várias Universidades pelo país, conhecendo também novas pessoas de cada canto por onde passava. Estive na Universidade Estadual do Paraná, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade de São Paulo, Universidade Federal do ABC, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade de Brasília, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fatec de São José do Rio Preto, Universidade Federal de São Carlos e FioCruz no Rio de Janeiro. E também fora do país, tive a oportunidade de estar na África do Sul, em Durban, passando uma semana interessantíssima no congresso da ISSI, onde tive a oportunidade de tomar contato mais próximo sobre como andava a pesquisa na área no exterior, tendo condições de situar onde meu trabalho estava e para onde ainda precisava caminhar. 

Além disso, acho que vale registrar aqui os artigos já publicados e que possuem uma relação direta com esse trabalho de tese:

A defesa
O momento da defesa é de fato um momento único. Espaço onde você vai encontrar com pessoas que leram seu trabalho a fundo e, possivelmente, podem contribuir muito para que você olhe para aquilo que não viu em si mesmo, refletido em seu próprio texto.
Procurei, junto com Sueli, escolher a banca com pessoas que eram referência na área e que poderiam de fato ajudar muito com seu potencial de análise e reflexão. Acabamos convidando a Jacqueline Leta, o Rogério Mugnaini, a Nanci Odonne e a Maria Imacolatta.


Abaixo segue a apresentação que fiz, procurando achar uma síntese do que foi esse trabalho e como mostrar seus pontos mais importantes para as pessoas queridas que também estavam ali presentes.


A apresentação durou aproximadamente 40 minutos e logo passamos para a etapa de arguição, onde os convidados da banca foram trazendo suas questões e abrindo pontos do trabalho que lhe chamavam atenção. A banca trouxe aspectos interessantes, sobretudo quando se tratou de novas possibilidades de reorganização do trabalho e de minha relação com os teóricos como Latour e Foucault. Foi muito útil ver como essa entrada com essas referências repercutiu por ali, percebendo efeitos, possibilidades ainda não exploradas e minhas próprias dificuldades de diálogo ali abertas como um campo de análise que me deu importantes elementos para saber melhor por onde continuar.


Enfim, depois de quase 4 horas de conversa, termina essa etapa de uma forma delícia. Tese aprovada na íntegra, sem necessidade de mudança, recomendação de livro sobre análise de redes sociais e nova etapa de pesquisa começando a ser desenhada.

Os companheiros
Acho que uma das coisas mais bonitas que aconteceu nesse dia da defesa foi contar com a presença de companheiros tão queridos e importantes, não só no processo do doutorado, mas na vida como um todo. Poder falar para essas pessoas, olhar nos seus olhos e apresentar esse trabalho da forma como isso aconteceu foi um presente que de fato mexeu e reconfirmou muitos dos sentidos que eu mesmo estava buscando com a realização desse trabalho.
Não tenho dúvidas de suas questões, suas formas de visão e o modo como foram abordando os próprios resultados do trabalho que fomos desenvolvendo juntos me trouxeram novas perspectivas que acabaram, de uma forma ou de outra, incorporadas pela tese como um todo. Gratidão! :-))))

A tese
Segue aqui o resultado final, que acredito que mais que tudo fale por si.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Para além da inclusão sócio-digital: dos jogos de mercado como objetos de política pública



A palavra inclusão aparece como referência constante em diversas formas de descrição e apresentação de programas, projetos e experiências na política pública de forma praticamente unânime entre os mais diversos entendimentos e posicionamentos das chamadas políticas sociais. Aparecendo, de forma geral, com o sentido de incluir àqueles que não tem acesso a determinados bens materiais, serviços e identificação nas máquinas de governabilidade públicas e privadas, seja por falta de alcance dos mecanismos e possibilidades de articulação das estruturas políticas em ação ou seja pelo entendimento de que as estruturas que fornecem acesso não devem ser geridas pelo própria máquina pública, a inclusão serve como conceito que abre um campo de atuação e serve como critério de análise do que pode estar dentro ou fora.

Visto dessa forma, a inclusão se torna conceito operatório de produção e entendimento do que deveria balizar e sustentar as condições de aplicabilidade de uma política pública. Em outras palavras, se a política é inclusiva, ela dá acesso a determinados valores e modos de vida que entendemos serem necessários para sustentar a condição social ideal visualizada pela política em operação. Se a política não é inclusiva, ela segmenta, classifica, filtra, escolhe favorecer e empoderar aqueles que aparentemente já estão inseridos nas redes de circulação dos serviços e bens ofertados pelas máquinas da governabilidade. O critério que esse conceito operatório facilmente coloca à vista é qual o corte do que se entende por incluído e por excluído, que métodos de medição e análise são utilizados por uma política para operar essa divisão, entendendo que essa divisão explicita uma escolha, um campo de atuação e, sobretudo, intervenção que a política em questão se propõe a lidar. É a possibilidade de análise dessa segmentação e dos critérios atrelados a ela que nos permite reposicionar a questão sobre o conceito de inclusão e como ele vem sendo utilizado em nossas políticas públicas em vigência atualmente.
Vale aqui explicar, clareando algumas pré-condições como ponto de partida para a breve análise que aqui se estabelece, que o título desse artigo inclui a palavra “digital” na relação com inclusão social com uma intenção clara no que se refere a dimensão digital como mais um espaço, um universo e um campo de produção de diferentes formas e tipos de sociabilidade. Entende-se, desse modo, que essa dimensão é vista como um espaço de relacionamento humano que pode e é visto por determinadas políticas públicas como campo de intervenção e presença das máquinas de governabilidade que colocamos aqui em análise. A inclusão digital é vista aqui como o acesso a esse espaço de relacionamento humano, a esses canais e redes de interação, apenas acessíveis pelo uso de determinadas tecnologias, que constroem e pautam fluxos de comunicação, bens materiais e imateriais, serviços, formas de ativismo, atravessando e sendo atravessado pelas outras tantas dimensões de sociabilidade nas quais se percebem os espaços de relacionamento humano. O conceito, os critérios do que está dentro e do que está fora, além das formas de operação que a expressão “inclusão” fornece à ação de uma política pública permitem intervir também através do digital como espaço de governabilidade, sobretudo, daquilo que se entende como uma ação social proposta por uma política.
Mais do analisar a questão do digital, se pretende aqui analisar a questão da inclusão como modo de intervenção no social. Bruno Latour (2012) resgata a etimologia da palavra “social” explicitando com mais clareza sobre o quê incluir ou não incluir está se falando aqui.

A etimologia da palavra “social” em si é bastante instrutiva. A raiz é seq-, sequi, e a primeira acepção é “seguir”. O latim socius denota um companheiro, um associado. Nas diferentes línguas, a genealogia histórica da palavra “social” designa primeiro “seguir alguém” e depois “alistar” e “aliar-se a”, para finalmente exprimir “alguma coisa em comum”. (…) “Social” como em “problemas sociais” ou “questão social” é uma inovação do século 19. O vocábulo paralelo “sociável” alude à capacidade que tem o indivíduo de de viver polidamente em sociedade” (Latour, 2012, pag. 24).

Mas, que coisa em comum é essa e que nível de inserção é esse que permite viver polidamente em sociedade? Como surge a questão social como um espaço de intervenção que dá condições e sustenta o surgimento de um sem número de políticas públicas, logo, estratégias de governabilidade? De que modo incluir tem a ver com condicionar modos de vida e inserir em fluxos de operação da máquina governamental já conhecidos, sustentando e sendo sustentados por condições que mantém as ordens dominantes instauradas?
Há uma forma de pensamento que vale aqui explicitar, mesmo que de forma esquemática e reducionista, com a intenção de colocar de modo mais claro que relação é essa entre “inclusão”, “social” e “governo” que está posta nesse espaço de análise que se estabelece. Inclusão vem sendo aqui descrita como um conceito operatório que viabiliza determinadas políticas públicas, permitindo estabelecer critérios do que está incluído e do que deve ser objeto de atuação do governo para promoção da inclusão. Logo, o governo atua, de certa forma, intervindo nessa “questão social” com o objetivo de pautar determinadas condições de vida em sociedade. Que condições são essas?
Tendo estabelecido aqui alguns princípios de entendimento do conceito “inclusão” e “social”, vale aqui avançar um pouco mais conceituando como se pode entender o conceito de “governo” para tocarmos em algumas das questões que foram aqui levantadas.

... governo, aqui, é um modo de conceitualizar todos aqueles programas, estratégias e táticas para a condução da conduta, mais ou menos racionalizados, para agir sobre as ações dos outros de maneira a alcançar certos fins. Nesse sentido, pode-se falar em governo de um navio, de uma família, de uma prisão ou fábrica, de uma colônia e de uma nação, assim como de um governo de si” (ROSE, 2011, pag. 25).

Chega-se aqui a um ponto interessante de posicionamento desses conceitos. Governa-se para agir sobre os outros, para conduzir conduta. O sociável e a questão social torna-se campo de intervenção, modo de atuar para induzir e promover determinados tipos de conduta e modos de ação desejados. Incluir torna-se modo de produzir políticas públicas que tenham por intenção estabelecer critérios do que está dentro e do que está fora desses modos de sociabilidade polidos e desejados pelo governo das condutas.
No entanto, essa governança de conduta não acontece nos tempos em que vivemos de modo aleatório. Vive-se sob a influência de um tipo de racionalidade fundamentalmente influenciada por questões de fundo econômico e financeiro. Os parâmetros de renda e padrões de consumo servem de critérios de regulação de inúmeras formas do que condiciona os modos de vida e espaços de sociabilidade por onde os seres humanos interagem e se produzem mutuamente. O que serve de critério entre incluído e excluído se baseia diretamente nos indicadores econômicos que categorizam as diferentes classes, comunidades e formas de segregação.
Buscando entender como o jogo econômico pauta as formas de governo atuais, Foucault (2008b) deixa claro o que define esse critério do incluído/excluído que aqui se coloca em evidência.

Ora, essa ideia de que deve haver uma regra de não-exclusão e de que a função da regra social, da regulamentação social, da seguridade social no sentido amplo do termo deve ser a de garantir pura e simplesmente a não-exclusão de um jogo econômico que, fora disso, deve se desenrolar por si mesmo, é essa ideia que é aplicada, esboçada em todo caso, em toda uma série de medidas mais ou menos claras” (FOUCAULT, 2008b, pag. 278).

Logo, as políticas de inclusão, sejam elas a partir dos espaços do digital ou não, vistas dessa forma tornam-se estratégias de um governo visando a inserção das condutas por dentro desse jogo econômico, entendendo que uma vez inseridas no jogo o próprio jogo têm condições de se regular, operando a partir de estratégias que deixam de serem espaços de atuação do governo para serem espaços de atuação do mercado. Criar condições de consumo, criar condições de se posicionar em algum lugar no jogo econômico é, portanto, posicionar as bases dos modos de vida que essa governança de condutas pretende estabelecer. Garantir que o espaço de liberdade seja o espaço de liberdade do mercado, ou seja, que a liberdade se dê a partir das regras de funcionamento e dos contornos estabelecidos pelo mercado é garantir a eficácia e os critérios de sucesso das políticas de inclusão, melhorando níveis de renda e condições de inserção num jogo para o qual o próprio governo foi pensado e construído para manter.
É disso que se trata, em sua grande maioria, as políticas públicas de inclusão produzidas no âmbito de governos constituídos como neoliberais, sendo sustentados e mantidos como condições de existência e garantias da liberdade dos próprios mercados que os produzem. Se a possibilidade de livre comércio é o interesse maior no jogo de interesses do que está em disputa, o papel do governo é garantir que ele ocorra, produzindo condições para que se amplie nas esferas em que ainda não atua, incluindo no “social” os que estão fora do jogo.
Vale dizer que aqui não se coloca um juízo de valor explícito, afirmando que esse modo de entender os conceitos que analisamos defina essas políticas como negativas ou num sentido depreciativo qualquer. Ao contrário. O que aqui se objetiva é estabelecer alguns critérios de análise para que se perceba com um pouco mais de clareza o que de fato parece estar em jogo. É apenas entendendo como tem se produzido esses espaços de atuação que temos melhores condições de se ver dentro do próprio jogo, percebendo que papel ocupa, que discurso sustenta e se esse discurso parece operar políticas em direção ao que de fato desejamos ou a um jogo econômico que talvez ainda não se tenha percebido como o que tem regulado os modos de vida e fazer político atuais.
Logo, já encaminhando para algumas ainda breves conclusões que tiramos dessas relações estabelecidas, falar de questões como empoderamento coletivo, constituição de sujeitos autônomos e a possibilidade de produzir espaços de co-gestão é falar de outros jogos que parecem não dialogar e serem compatíveis com essa busca contínua da eficácia financeira e econômica desse modo de governar. Além disso, é falar de outras possibilidades que criem condições e funcionem como outros modos de operar política que não a visão da inclusão nos jogos de mercado.
É novamente Foucault (2008a) que parece dar pistas interessantes de posicionamento do olhar para além desse jogo:

Então, frente a essa política global do poder se fazem revides locais, contra-ataques, defesas ativas e às vezes preventivas. Nós não temos que totalizar o que apenas se totaliza do lado do poder e que só poderíamos totalizar restaurando formas representativas de centralismo e de hierarquia. Em contrapartida, o que temos de fazer é instaurar ligações laterais, todo um sistema de redes, de bases populares” (FOUCALT, 2008a, pag. 74).

É para além dos jogos de mercado, para além da economia como critério que determina modos de relacionamento e condiciona modos de vida que outros níveis de pensamento abrem espaço e permitem operar em estruturas de representatividade que não reproduzam essas formas de centralismo e hierarquia que são as condições de base da própria existência dos modos de governabilidade atuais. É por outro caminho que deslocamos essa racionalidade e abrimos espaço para outras formas. É por outras condições de relação, onde os posicionamentos se lateralizam, onde o coletivo opera como aquele que constrói contorno, que define seu espaço e se vê como agente de seu próprio modo de vida que outras redes são possíveis, que outros fluxos de interação podem ser pensados. E nisso, sem dúvida, a dimensão do digital pode colaborar na produção de outros jogos de relacionamento, não como condição de partida, mas como condição de apropriação de uma racionalidade que lhe antecede e opera por outros valores.

Referências
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Graal. 26ed. 2008a. 295p.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. Martins Fontes. 2008b. 474p.
LATOUR, Bruno. Reagregando o social: uma introdução à teoria do Ator-Rede. Edufba/Edusc. 2012. 399p.
ROSE, Nikolas. Inventando nossos selfs: psicologia, poder e subjetividade. Vozes. 2011. 308p.