Sem dúvida, é uma questão seminal dos tempos em que vivemos. Se a explosão informacional é uma tendência irreversível, a construção de relações humanas mais saudáveis e colaborativas é o melhor tipo de filtro de relevância que podemos pensar em ativar em nossas comunidades. Dedicar tempo ao design das relações, ou melhor dizendo, ao metadesign de nossos processos de interação e trabalho é uma condição fundamental para que isso possa ser melhorado ao longo do tempo de existência de um grupo.
Parto do princípio de que "os sistemas interpessoais - grupos de estranhos, pares conjugais, famílias, relações psicoterapêuticas ou até internacionais etc. - podem ser encarados como circuitos de retroalimentação, dado que o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras pessoas." (do livro Pragmática da Comunicação Humana, pág. 28).
Considerando, portanto, que as relações constituem posições dentro de um sistema (gerente, marido, coordenador, facilitador, tutor, etc...) e que essas relações são reforçadas mutuamente quando na interação com outra pessoa que opera a partir do mesmo padrão de relação, assim surgem os circuitos de retroalimentação. Até aí, tudo isso tem sido falado e estudado desde o final da década 40, a partir da construção da cibernética e do estudo dos sistemas que operam a partir da ideia do feedback.
Mas, o que me chamou atenção fortemente nos últimos dias foi a pergunta que me coloquei: O que acontece quando um novo sistema de informação é inserido dentro de um grupo? O que ocorre com a dinâmica desse grupo? Como isso pode ser potencializado ou pode ser um problema para esse grupo em relação ao seu sistema de relações?
Um sistema de informação nada mais é do que um conjunto de regras lógicas de funcionamento escrito numa linguagem de programação por alguém ou um grupo de pessoas. Quem escreve o sistema tem uma concepção de padrão de interatividade que está buscando viabilizar pelo sistema. É aí que surge o primeiro ponto que vale a pena explicitar: que padrão de interação é esse? Será que não seria necessário um trabalho do ponto de vista das relações de um grupo de pessoas quando ele se depara com um novo sistema de informação no qual não está preparado para lidar? Como facilitar um grupo a se dar conta disto?
Um exemplo que pode ilustrar o que estou querendo pontuar. Imaginemos um grupo de pesquisa universitária, formado por seu orientador, seus orientandos, bolsistas, estagiários, etc. O grupo construiu uma dinâmica de trabalho, construiu posições e um sistema interpessoal que se reforça mutuamente ao longo dos processos de trabalho deste grupo.
De repente, o grupo passa a participar de um novo projeto que se propõe colaborativo. Um projeto onde o grupo tenha de sair de sua dinâmica atual de trabalho e tenha de interagir com grupos de fora, outros grupos que ainda não conhece em torno de uma proposta que deve ser construída coletivamente.
A colaboração, se levada a sério, passa a servir como uma política regulatória das relações. A colaboração esta muito mais atrelada a uma posição de uma relação que precisa dissolver fronteiras para poder ocorrer e se manifestar na sua potência. A colaboração não pode ser imposta, é construída a partir da política de como um grupo se vê e de como ele regula suas relações.
Até aí, ok. Mas, vamos seguir um pouco mais no exemplo. Então, o grupo se vê conectado com uma outra proposta política de relações, que objetivam se pautar pela colaboração. Para isso, o grupo é inserido em novos sistemas de informação (listas de email, blog coletivo, wiki, etc.).
Aqui vale destacar que algo ocorre e fica visível nessa conexão entre sistemas de informação e a política de relações de um grupo: se não há acoplamento na concepção dessas duas coisas, surge tensão, surge incômodo, pois o sistema de informação e a nova política de relações não se adapta a como o grupo funciona. Há dor, sofrimento, tensão. Uma certa perda de referências surge. O que funcionava tão bem antes, passa a não dar conta e ficamos em vão procurando culpados pela não-operância daquilo que vemos a nossa frente.
De fato, não há culpados, há relações que precisam ser revistas, posições que precisam ser reorganizadas, fluxos de comunicação que precisam ser reprojetados. Estamos falando aqui de uma nova política de relações que irá regular o sistema interpessoal que precisa surgir. Sem isso, o sistema corre o risco de colapsar, pois ele está cego para sua própria dinâmica.
Para fazer isso, o grupo de pessoas precisa dar um passo atrás e conseguir explicitar a política de relações que construiu até então. Passo extremamente difícil, árduo, penoso, pois vai na veia das zonas de conforto, status social e aquilo que imaginamos que nos trás estabilidade. Feito isso, surge a colaboração, surge o ver o outro como legítimo outro, surge a possibilidade de reprojetar relações e se reinventar como grupo. Sim, fronteiras precisam ser dissolvidas para que possamos de fato colaborar.
Pensando do ponto de vista de um processo de ativação de redes, se o sistema se propõe a fazer esse trabalho, um salto qualitativo e quantitativo pode ser dado. As relações têm menos travas, menos bloqueios, produzir fluxos, operações, alinhamentos, conexões se tornam mais simples e mais suaves. Trabalho de uma vida, sem dúvida.
Mas, considerar que podemos fazer esse metadesign, esse processo de construção dessa política de relação explicitando o que de fato queremos nas duas dimensões que falei acima, é um passo importante no desenvolvimento de projetos em torno da idéia da colaboração e da inovação:
- o metadesign dos sistemas de informação;
- o metadesign dos sistemas interpessoais.
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